quinta-feira, 10 de março de 2011

Tempo

   Os dias passam, sem a menor calma. Horas são como minutos, que por sua vez são como segundos. Os dias passam apressadamente diante de nossas vistas. Se não fizermos nossos propósitos ao tempo do tempo, talvez nunca mais o façamos. O presente se torna cada vez mais óbvio e o passado longo, do tamanho da estrada que deixamos para trás. 
   Lembro-me claramente do ontem. Não tinha preocupações, tristezas. Desafios? Sim, mas apenas o de pegar água no filtro, que por sinal era alto demais. Ouvir histórias à noite, contadas por uma voz rouca, não muito melodiosa, mas que em pouco tempo, me levava a reproduzir tais contos nos sonhos. Aquela voz me acalmava, alentava. Consolava meu pranto, quando os xingos de minha mãe eram fortes demais.
   Com o dono da voz eu passeava, ia além das fronteiras do que pensava ser o mundo. Um passeio de trem, um presépio a se visitar. Andar de ônibus nunca foi tão divertido, tendo ao lado um avô tão simples, mas tão grande ao mesmo tempo. Pelas ruas do bairro onde morava, procurávamos coisas simples, bobas até. Mas tinha toda a diferença, quando acompanhadas de meu avô. Uma perna de pau, ou melhor, de ferro, um carrinho de madeira, uma cruz pra se exaltar.
   Um sonho. Um mundo feliz, sem muitos contras. Ciranda perfeita. Mas como sempre, os bons vão para o céu. E com ele uma grande parte de mim. O fim de um pseudo-perfeito. Saudades. Palavra para definir aquele que depois de Deus, será o meu eterno tutor. Assim se finda a parte mais “inocente” de minha vida. Ou melhor, simples, como quem dela a fez ser perfeita.
Tudo muda. Ou melhor, nada muda. Pensamentos, conceitos, pouco alterados. Mas agora já posso ter asas. Negras como a de um vampiro, translúcidas como a de um anjo. Tenho poderes, armadura, um verdadeiro nobre medieval, um legionário romano. O fio da minha adaga era o mais reluzente; o elmo, o mais bem desenhado. Um rei, ricamente trajado, em mantos de veludo e grandes bordados a ouro.
   Um cavalo, negro como a noite. Cuidado em um lugar alto, com prados sem fim. Uma caveira, um mago, um mestre das trevas, um bruxo. Podia ser tudo, e um pouco mais, em meu imaginário. Ali, na janela do quarto dos meus pais, olhando um grande pedaço da cidade. Voava, sem medo de cair. Aliás, nem tanto. Muito, muito medo de cair. Era às vezes obscuro, mas a obscuridade de me quarto me causava medo. E admito, causa até hoje. O vazio, a solidão. Os vultos que a toda hora passam ao longe. Espero confiantemente que sejam obra de minha imaginação.
   Lembro-me de tudo isso claramente; afinal de contas, foi ontem mesmo. E até hoje. Ainda sonho em ser um vampiro. Queria que tudo voltasse a ser como antes. Queria deixar o rock, computador, os conceitos da sociedade. All Star? Bobagem. Cadernos, livros, conhecimentos, responsabilidades, tudo jogado num canto, sem me lembrar que existem. Sinto falta de tudo. E deixem-me sentir. Porque apesar de tudo, sou somente uma criança. Somente uma criança.
                                                                                                                         Pedro E.

Nenhum comentário:

Postar um comentário